
O sistema, a máquina, a economia do capital sobre o trabalho sempre vai extrair mais e mais ganhos de tudo. Tudo vira mercadoria. Não é apenas no sistema atual. No escravagismo brasileiro o ser humano não existia, era mercadoria. Tinha um preço.
Bento Gonçalves tinha 33 escravos que eram a metade da grande riqueza dele.
Os tempos são outros. A exploração se dá de outras formas. As marcas descobriram a “economia prateada”, ou seja, um contingente cada vez maior de pessoas com mais idade, devido à longevidade, são consumidores. Muitos com aposentadoria superior a quem está no mercado. O capital descobriu que não são inativos, como diz o sistema de previdência.
E quem vem para colaborar, dando o verniz necessário, é a publicidade. Esta foca numa “vibe” que se passa por “inclusiva”, com linguagem simples, uma comunicação clara e acessível, focando em benefícios do que vende e na construção de confiança.
O exemplo maiúsculo é o Banco Mercantil. Para passar confiança, o astro contratado é o “rei” Roberto Carlos. Pois, o Banco Mercantil é “o banco de quem sabe viver”. E o celofane, o invólucro, é a música “É preciso saber viver”.
Ela é 1974. Ou seja, 50 anos atrás, pegando a população mais idosa em cheio.
A idade é vendida. A idade passa a ser uma mercadoria. Não é o Roberto que se vende, não é o banco que se vende. É mesmo a idade o produto.
Se o idadismo é o preconceito, o estereótipo e a discriminação baseados na idade, que prejudicam e desfavorecem pessoas em razão de sua idade, ele atinge jovens e pessoas idosas, na atualidade.
O idadismo em nossa sociedade é cruel com os velhos. Mas com a Geração Z pode ser mais cruel ainda. Sempre os jovens foram criticados, mas nunca tanto quanto a Geração Z.
Foi criado um estereótipo que as mídias, os sistemas de RH, autoridades empreendedoras levam à potência n, pela repetição: jovens “nem nem”; nem estudam, nem trabalham. Não sabem o que querem, são volúveis, instáveis. Acham que sabem tudo. São arrogantes, desrespeitam os mais velhos. Ou seja, uma marca estereotipada na testa desta geração como uma mercadoria falsificada, quinquilharia, que nada vale. Uma mercadoria que pode ser descartada. Que venha mais IA que aprende muito facilmente, que quebra galhos como ninguém. E não nos perturba. E trabalha a qualquer hora. A geração Z na hora do almoço come.
Não tomem estas minhas afirmativas como uma provocação. É só pensar “fora da caixa”, sem viseiras, com mente aberta que vamos ver que a “idade” virou uma mercadoria. Jovens têm pouco valor, pessoas idosas têm pouco valor. É uma mercadoria na gôndola, você vai escolhendo.
Mas os velhos podem comprar, podem ter poupança, aplicações, viajar, se divertir.
Mas os jovens têm que pedir aos pais comprar celulares inteligentes e, para quem pode, roupas de grife.
E a economia gira.
GERAÇÃO Z E MARX
Li uma matéria na qual se fala que a Geração Z encontra Marx ao rejeitar a alienação do trabalho.
A crítica é para a irracionalidade no emprego corporativo. A juventude a adotou e esta viralizou nas redes.
O conceito marxista – alienação do trabalho – foi tratado no século 19 e também viralizou num mundo que ainda não conhecia a internet.
Causa mal-estar para a geração Z o emprego tradicional em corporações.
O bafafá veio de uma publicação de Alex McCann, escritor britânico e pesquisador do futuro do trabalho, transformado em porta-voz da massa insatisfeita.
McCann é um jovem. Tem 24.
A imposição de rotinas burocráticas ineficazes em companhias é fato conhecido.
A percepção de perda de tempo e energia em tarefas cujas finalidades e efeitos práticos não são bem identificáveis é anterior, certamente, à sensibilidade da geração Z.
O que é alienação, segundo o velho Marx?
É a separação do trabalhador de todo o processo produtivo, da criação ao produto final. Ela se manifesta quando o trabalhador não se reconhece no produto que cria, pois sua atividade é reduzida a tarefas repetitivas e fragmentadas, sem controle sobre o processo ou criatividade, o que o leva a ver o trabalho apenas como um meio de subsistência.
Era isso que Marx pensava e colocou ao público.
E assim a Geração Z conhece o capitalismo. Não muito diferente foi no socialismo real.
O absurdo de requisições e tarefas também nos atormenta na vida pública, notadamente em sociedades, como a brasileira, em que prevalece a exasperante tradição burocrática e cartorial.
O velho Marx acreditava que a tecnologia propiciaria o almejado tempo livre para as pessoas enfim emancipadas do trabalho alienado.
Se alguém que faz uma jornada cruel de 6 x 1 souber que Marx falou em “caçar pela manhã, pescar e fazer crítica literária” vai pedir para prender este maluco.
Mas, calma, talvez nunca antes o seu conceito tenha sido é tão real e valioso.
Talvez mais valioso para os que se acham empreendedores fazendo “uber”.
Velho virou mercadoria. Jovem virou mercadoria. Você duvida?
Adeli Sell é professor, escritor e bacharel em Direito.