Demência x Atividade física

Por Ana Carolina Teixeira

A demência é um grupo de patologias resultante de lesões e doenças que afetam o cérebro e sua capacidade de realizar sinapses (transmissão de informações entre os neurônios), levando ao comprometimento da memória, da cognição e da realização de atividades da vida diária. Por isso, é uma das principais causas de perda da independência e autonomia no mundo moderno.

 Com o processo de envelhecimento populacional o número de pessoas com demência tende a   aumentar, principalmente em países menos desenvolvidos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2021, a cada ano surgem cerca de 10 milhões de casos de demência no mundo. Além disso, estudos mostram que em média 40% de todos os casos de demência estão ligados a fatores modificáveis, sendo eles: baixo nível de educação, depressão, tabagismo, poluição do ar, lesão cerebral traumática, consumo excessivo de álcool, diabetes tipo 2, hipertensão, isolamento social, deficiência auditiva e sedentarismo (falta de atividade física).

A demência tem causas multifatoriais, ainda não se sabe ao certo o efeito isolado de cada um desses fatores, nem se eles se somam ou apenas coexistem, mas essa determinação fornece oportunidades para prevenção. Pensando nisso, um estudo conduzido por pesquisadores da UFRGS e UFPel, publicado em 2023, teve como objetivo estimar os casos de demência atribuíveis à inatividade física sob diversas condições. Esse estudo concluiu que um a cada quinze casos de demência no mundo estão relacionados somente ao sedentarismo, ou seja, 6.67% dos casos poderiam ser evitados pelo simples fato de praticar atividade física regularmente.

É muito claro o efeito do exercício físico no controle de diversas doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como hipertensão e diabetes, e que, por sua vez, também são fatores de risco para demência, portanto aquilo que é bom para o sistema cardiovascular, também se mostra benéfico para o cérebro e consequentemente músculos e ossos, evidenciando o funcionamento integrado dos sistemas  do nosso corpo.

Além disso, pesquisas atuais tentam explicar o mecanismo neuroprotetor de algumas proteínas produzidas pelo músculo esquelético, aqueles responsáveis pela produção de movimento corporal. Durante o exercício físico, as fibras musculares produzem e liberam na corrente sanguínea mioquinas (proteínas) que tem influência em outros órgãos, como é o caso do cérebro, nele agem na plasticidade cerebral, ou seja, na capacidade do cérebro de gerar novas conexões neuronais e realizar adaptações, inibindo ou retardando as doenças neurodegenerativas.

Outro aspecto relevante é o papel da atividade física na promoção da socialização, um fator de proteção cognitiva muitas vezes subestimado. Ambientes de prática coletiva, como grupos de caminhada, academias ou atividades esportivas, oferecem não apenas benefícios físicos, mas também emocionais e sociais, reduzindo o isolamento e fortalecendo laços interpessoais.

Mas o que é considerado ser “fisicamente ativo”? A OMS define atividade física como qualquer movimento que ative os músculos e gere um gasto energético, e pode  levar em conta atividades de lazer, deslocamentos e atividades laborais. As diretrizes globais de atividade física destacam que qualquer quantidade de movimento é melhor que nenhuma, mas a recomendação para adultos e idosos é de pelo menos 150 minutos de atividade física moderada por semana e para benefício adicional devem acrescentar em pelo menos 2 vezes na semana, atividades de fortalecimento (que utilize uma sobrecarga muscular).

A demência, assim como muitas doenças crônicas não transmissíveis, ainda não tem cura, mas pode ser prevenida e até mesmo desacelerada ou controlada, com simples mudanças de hábitos, como é o caso da prática de atividades físicas. O movimento, em todas as suas formas, deve ser encarado não apenas como um hábito saudável, mas como uma ferramenta de proteção para o cérebro e o bem-estar integral do ser humano.


Ana Carolina Teixeira é Fisioterapeuta formada pela Universidade de Passo Fundo (UPF), Especialista COFFITO em Fisioterapia em Gerontologia pela residência multiprofissional em Saúde do Idoso (UPF/HSVP/SMS-PF) e Mestranda em Envelhecimento Humano da UPF (PPGEH) – bolsista Fundação UPF


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1 comentário em “Demência x Atividade física”

  1. Excelente texto! Percebo que quando o paciente está envolvido nesse movimento corporal além de ser preventivo e diminuir o desenvolvimento da doença, eles geralmente ficam mais confiantes e colaborativos com todos os tratamentos multidisciplinares.Afinal, a atividade física é um aliado poderoso na prevenção e no manejo da demência! Além de melhorar a saúde física, ela também tem um impacto positivo na cognição e no bem-estar emocional. É fundamental incentivar a prática regular de atividades físicas, especialmente em idosos, para promover a saúde cerebral e melhorar a qualidade de vida.

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